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Aikido cresceu explosivamente desde a Segunda Guerra Mundial. Koichi Tohei,
um destacado colaborador neste desenvolvimento, é talvez uma das pessoas
mais qualificadas para falar a respeito da história do Aikido. A maioria
dos shihan do aikido da atualidade (mesmo aqueles de sétimo dan ou acima),
foram, em algum tempo, instruídos por Tohei.
Sentindo fortemente que as gerações futuras decidirão seu próprio destino,
Tohei optou por falar muito pouco durante os anos. Afinal, com a condição
de que nós mostrássemos as atividades da sua organização e o seu pensamento
como são, Tohei Sensei finalmente concordou com esta entrevista exclusiva
para o Aikido Journal.
Como o único aluno de Morihei Ueshiba a ser oficialmente detentor do décimo
dan e uma figura que ocupou uma posição de central importância no mundo do
Aikido pós-guerra, Tohei teve a oportunidade de falar francamente conosco a
respeito de suas opiniões e experiências.
Os Princípios do Céu e da Terra e a Minha Abordagem da Vida
Sensei, fale-nos a respeito da sua abordagem do Aikido?
Enquanto nos movemos em direção ao século XXI, o mundo em que vivemos
vai se tornando mais e mais relativo. Por haver frente, também existe
atrás. Por haver acima, existe também abaixo. Dentro deste mundo relativo,
nada é absoluto em sua correção. Não é possível, por exemplo, que o norte
seja correto enquanto que o sul não. Ambos são simplesmente
"fatos".
O único caminho seguro para estar absolutamente correto é evitar ser
apanhado no redemoinho dos chamados fatos do mundo relativo, e ao invés
disso, estar em concordância com os princípios absolutos do Céu e da Terra.
Quando se tornam o padrão de julgamento, que está de acordo com os
princípios do céu e da terra está correto, enquanto que o contrário, não.
A ação decisiva nasce de um entendimento daquilo que está de acordo com os
princípios do Céu e da Terra. A falta desta compreensão conduz ao
"esforço não razoável" ou muri, cujo significado literal é
"ausência de princípio", e deve ser evitado. Este sempre foi o
meu modo de pensar e a razão pela qual evitei escrupulosamente agir de
forma que envolvesse esforço inútil ou que fosse contra esses princípios.
O Aikido é essencialmente um caminho para estar em harmonia com o ki do Céu
e da Terra. No entanto, muitos daqueles que estão envolvidos no budo tendem
a falar de coisas que são ilógicas e envolvem um esforço inútil, coisas que
são impossíveis. Mas o meu modo de vida é evitar fazer qualquer coisa que
não esteja de acordo com um princípio.
Estórias e Realidade: O que realmente aprendi com Mestre Ueshiba
Qual foi a coisa mais importante que o senhor aprendeu com Morihei Ueshiba?
A forma como as pessoas falam a respeito de ki hoje em dia tende ao
ocultismo, mas eu diria que nunca fiz qualquer coisa, mesmo remotamente,
envolvendo o oculto. Muito daquilo que Ueshiba Sensei falava, por outro
lado, soava mesmo como oculto.
No meu caso, comecei a estudar Aikido porque vi que Ueshiba Sensei havia
dominado verdadeiramente a arte do relaxamento. Era por estar relaxado de
fato, que ele podia gerar tanto poder. Me tornei seu aluno na intenção de
aprender isto com ele. Para ser honesto, nunca dei ouvidos para a maior
parte das outras coisas que ele dizia.
Estórias sobre Ueshiba Sensei movendo-se instantaneamente ou arrancando
pinheiros do chão e dobrando-os são apenas estórias. Sempre adverti as
pessoas no Aikido a evitarem escrever sobre coisas como essa. Infelizmente,
muitos pareceram não ouvir. Ao invés disso, elas simplesmente diminuíam o
tamanho da árvore na estória, de algo enorme para somente cerca de 10 cm de
diâmetro. Na realidade, é muito difícil arrancar até mesmo uma única raiz
da terra, assim, como alguém no mundo poderia extrair um pinheiro de dez
centímetros, especialmente estando de pé sobre seu sistema de raiz? Tais
coisas não são nada além de exageros do tipo que são usados em contos à
moda antiga.
As estórias se tornaram ainda mais incríveis desde que Ueshiba Sensei faleceu
e agora as pessoas o têm movendo-se instantaneamente e reaparecendo de
repente a um quilometro de distância e outras loucuras. Estive com Ueshiba
Sensei durante muito tempo e posso dizer-lhes que ele não possuía poderes
sobrenaturais.
Sensei, o senhor parece em muito boa forma para um homem perto dos setenta
e seis anos. Sempre foi assim?
Na verdade, eu era bastante frágil quando criança. Meu disse pai que eu
precisava ficar mais forte e me fez começar judo, que treinei na
Universidade Keio. Treinei duro e finalmente cresci mais forte, mas depois
de entrar para o programa preparatório em Keio, um ataque de pleurite
forçou um afastamento de um ano. Meu vigor tão duramente conquistado
começou a sumir outra vez.
Incapaz de suportar o pensamento de perder aquilo pelo qual eu tinha
trabalhado tanto para conseguir, substituí o judo por outras formas de
treinamento tais como zazen (meditação Zen sentada) e misogi (purificação).
Eu jurei que não deixaria minha força desaparecesse outra vez, mesmo que
isso me matasse. Preocupar-me com a minha saúde e viver como um
semi-inválido não fazia nada pela minha recuperação, e assim mandei tudo
para o alto, e disse a mim mesmo que eu deveria lançar-me no treinamento,
ainda que isso me matasse. O Aikido fazia parte desse treinamento também.
Concentrei-me em manter-me forte e em algum ponto, os raios-X mostraram que
a pleurite estava completamente curada. Surpreendentemente, eu tinha ficado
bom.
Embora as idéias fossem um pouco vagas na época, eu tinha uma sensação de
que foram minha mente e espírito (kokoro) que motivaram meu corpo.
Compreendi que o estado mental é importante. A doença física é normal
(embora indesejável), mas é inaceitável permitir que a doença se estenda à
sua mente ou ao seu ki.
Em japonês, quando o corpo sofre de alguma disfunção, chamamos a isso yamai
ou byo, que significa simplesmente "mal-estar"; mas quando o
distúrbio se estende para o ki também, chamamos byoki. Assim, embora meu
corpo possa estar afetado por algum tipo de mal-estar, não devo deixar que
ele se estenda ao meu ki. Se a mente estiver saudável, o corpo
seguirá.
Além disso, estando afastado do judo por quase dois anos, na época em que
obtive o meu segundo dan, todos já tinham sido promovidos a quarto ou
quinto dan. Mesmo muitos dos terceiro dan haviam progredido muito além de
mim, e podiam lançar-me por todo o lado. Aquilo não era muito interessante
e nem muito divertido.
Esperando fortalecer-me, fui para casa e comecei a chutar levemente os
pilares ao redor da construção. Depois de fazer isso umas duas mil vezes
por dia, contudo, as paredes começaram a cair. Minha irmã mais velha não
gostou muito disso e me fez ir para fora, no jardim. Depois de umas poucas
semanas, eu conseguia mover meus pés com a mesma agilidade e destreza que
as mãos. Voltei ao dojo e era capaz de arremessar todos.
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