Conhecendo Morihei Ueshiba
AJ: Quando o senhor entrou para o
Ueshiba Dojo?
Tohei Sensei: Acho que foi em
1940. Kisaburo Osawa entrou cerca de uma semana depois.
Eu pensava no quanto era pobre o
estado de coisas, tanto que eu podia treinar por minha conta por um par de
semanas e voltar e lançar todos no dojo de judo. "Por que me aborrecer com
uma arte marcial como essa? Pensei. Foi quando conheci Ueshiba Sensei. Shohei
Mori, um dos meus seniores no clube de judo e que trabalhou na Manchurian
Railway, me contou a respeito de um professor com uma forma fenomenal e me
perguntou se eu gostaria de conhecê-lo. Deu-me uma carta de apresentação e eu fui.
Ueshiba Sensei estava fora quando
cheguei ao dojo e fui recebido por um uchideshi chamado Matsumoto. Perguntei a
ele o que era o Aikido afinal. Ele respondeu, "Dá-me a sua mão e eu
mostrarei." Eu sabia que ele ia fazer alguma coisa comigo, assim estendi a
minha mão esquerda ao invés da direita. Ficando com a direita livre, eu queria
manter a minha mão mais forte na reserva. Ele agarrou meu pulso e aplicou um
nikkyo contundente. Eu não havia fortalecido aquela parte do meu corpo, assim
foi agonizante. Tenho certeza de que fiquei pálido, mas eu não ia deixar que
ele levasse a melhor, assim aguentei a dor tanto quanto pude. Então desferi um
soco com a minha mão direita e ele ficou perturbado e largou.
Eu comecei a pensar que se o
aikido era aquilo, deveria esquecer e voltar para casa. Foi então que O Sensei
retornou. Mostrei minha carta de apresentação e ele disse " Ah, sim, de Mr.
Mori..." E então, como demonstração, começou a arremessar um dos maiores
uchideshi pelo dojo.
Pensei que aquilo parecia algum
tipo de farsa até que Ueshiba Sensei me disse para tirar o casaco e ir até ele.
Assumi uma posição de judo e me movimentei para agarrá-lo. Para minha grande
surpresa, ele me arremessou tão suave e velozmente que não pude sequer imaginar
o que havia acontecido. Soube na hora que era aquilo que eu queria fazer. Pedi
permissão para me inscrever imediatamente e comecei a ir ao dojo todos os dias,
a partir da manhã seguinte.
Achei o treinamento muito
estranho e misterioso, e estava ansioso para saber como as técnicas eram
feitas. Quando alguém usa força para lançar você, há sempre alguma coisa que
você pode fazer para reagir ou contra-atacar. Mas a estaria o diferente quando
a pessoa não está fazendo nada em particular e você continua a ser arremessado.
Pensei, "Uau, isso sim!"
No começo eu não tinha idéia do
que estava acontecendo. Até mesmo colegiais podiam me atirar sem qualquer
problema. Achando tudo aquilo bastante impar, tentei agarrar mais e mais
fortemente, mas é claro então que eu era apenas lançado com muito mais
facilidade.
Ao mesmo tempo, eu continuava a
treinar no Ichikukai (veja a entrevista com Hiroshi Tada para mais informações).
Eu costumava ficar lá a noite inteira praticando zazen e misogi. O treinamento
se dedicava a alcançar um estado iluminado no qual tanto o corpo como a mente
se tornassem inteiramente livres de restrições. Era exaustivo e depois disso eu
ia praticar aikido, quase morto de cansaço. Para minha surpresa, descobri que
nesse estado, as pessoas que sempre podiam me arremessar ficavam completamente
incapazes de fazé-lo! Além disso, eu não precisava fazer muito esforço para
arremessá-los. Todos acharam estranho e diziam coisas como, "O que está
acontecendo com Tohei?. Ele "pula" a prática e volta mais forte do
que nunca.!"
È bem mais dificil ser
arremessado por alguém se você esvazia a sua força e também é muito mais fácil
arremessar seu oponente. Pensei sobre O Sensei e compreendi que ele, sem dúvida,
praticava o seu aikido relaxado. Foi quando de repente entendi o verdadeiro
significado do "relaxamento".
Meu aikido continuou a progredir a
medida que eu continuava com o meu misogi e zazen. Cerca de seis meses depois,
eu estava sendo até mesmo mandado para ensinar em lugares como a academia da
policia militar em Nakano e em outras academias particulares (juku) de Shumei
Okawa. Ninguém exceto Sensei podia me arremessar. Levou apenas meio ano para me
tornar capaz de obter aquele grau de habilidade, assim pensei que levar cinco
ou dez anos era devagar demais.
Mesmo hoje a maioria das pessoas
estão lutando para aprender as técnicas ao máximo, mas eu aprendia a respeito
do ki desde o começo.
AJ: Quando foi que o Senhor
entendeu que O Sensei havia dominado a "arte do relaxamento"?
Tohei Sensei: Provavelmente foi
quando ele vivia em Ayabe e estava profundamente envolvido com a religião
Omoto. Ueshiba Sensei sempre contava uma estória sobre um dia em ele estava em
pé próximo a um poço se enxugando depois do treino quando de repente entendeu
que seu corpo se tornara perfeito e invencível, e compreendeu com uma clareza
notável o significado dos sons dos passaros e insetos e tudo o mais ao seu
redor. Aparentemente, esse estado durou cerca de cinco minutos, mas acho que
foi quando ele dominou a arte do relaxamento.
Infelizmente, ele sempre falava
sobre essa experiência usando expressões religiosas, que eram mais ou menos
incompreensíveis para os outros.
Antes da guerra, Sensei ensinava
no Naval Staff College, onde tinha por aluno o Príncipe Takamatsu (um irmão
mais novo do Imperador Showa). Em certa ocasião, o Principe apontou para
Ueshiba Sensei e disse, "Tente levantar aquele senhor ". Quatro
fortes marinheiros tentaram de tudo para levantá-lo, mas não conseguiram.
Sensei disse na época,
"Todos os espiritos divinos do Céu e da Terra entraram em meu corpo e eu
me tornei imóvel como uma rocha". Todos entenderam literalmente e
acreditaram nele. Eu o ouvi dizer esse tipo de coisa centenas de vezes.
Por meu lado, nunca tive seres
divinos entrando em meu corpo. Nunca pus muita fé nesse tipo de explicação ilógica.
Uma vez quando estava com Sensei
no Havai, havia uma demonstração em que se esperava que dois fortes alunos
havaianos tentariam me levantar. Eles sentiam que não conseguiriam, assim não
estavam muito preocupados. Mas Sensei, que observava, levantou-se dizendo,
"Parem, vocês podem levantar Tohei, podem levantá-lo!!. Parem, façam-nos
parar! Esta demonstração não está boa!"
Sabe, eu fiquei na rua bebendo até
três horas da manhâ na noite anterior e Sensei sabia das condições em que
voltei para casa. Ele disse, "é claro que os deuses não vão entrar em um bêbado
como você! Se o fizerem, todos ficarão tontos!" Era por isso que ele
achava que eram capazes de me levantar.
Na realidade, este tipo de coisa
nada tem a ver com deuses ou espiritos. È apenas uma questão de possuir um centro de
gravidade baixo. Sei disso é o que
ensino a todos os meus alunos. Isso não significaria nada se apenas algumas
pessoas especiais possam fazer isso. Estas coisas têm que ser acessíveis para
todos se realmente têm significado.
As pessoas com os chamados
"poderes sobrenaturais" são normalmente as técnicas que podem fazer
aquilo que afirmam. Os outros não podem fazer o que elas fazem e elas não podem
ensinar, porque aquilo que fazem não é real; é farsa. Qualquer um pode fazer o
que ensino. Elas estão vivas nas técnicas do aikido tal como são. Tudo o que
você precisa saber é como fazer certo, e vê-las como poderes sobrenaturais que
requerem a presença de algum deus ou outra coisa assim é um grande engano. Vejo
isto como minha responsabilidade para ensinar corretamente.
A personalidade de Morihei Ueshiba
AJ: Havia algumas personalidades
notáveis no dojo em 1940 ou 1941 - alguém que pudesse mais tarde fazer um nome
por si mesmo?
Tohei Sensei: Não havia ninguém
assim quando cheguei. Não havia alunos e raramente algum uchideshi.
AJ: Quais foram as suas impressões
mais fortes de Ueshiba Sensei?
Tohei Sensei: Ele me parecia um
senhor muito simpático. Sorrindo, você sabe. De muitas maneiras, ele tinha uma personalidade bastante
infantil.
AJ: Temos uns poucos documentos a
respeito de O Sensei, mas é ainda muito difícil conseguir uma foto dele em seu
dia-a-dia. Ele conversava sobre coisas corriqueiras, assuntos de todo o dia?
Nas gravações que temos, ele quase que parece ser de outro planeta.
Tohei Sensei: Sim, entendo o que
você quer dizer. Certamente ele falava.
AJ: Ouvi dizer que algumas vezes,
ele explodia de raiva de repente.
Tohei Sensei: Sim, isso acontecia
com frequência. Ele era gentil com as mulheres, todavia. Curiosamente, sua
raiva nunca era direcionada em especial a pessoa com quem se supunha, estivesse
zangado. Era como se ele estivesse apenas furioso consigo mesmo, incapaz de ou
não desejando dirigir sua raiva ao objeto.
Uma vez um jovem aluno chamado
Kurita notou que Sensei moveu-se um pouco em sua cadeira e foi ajustá-la para
ele. Sensei explodiu e pediu para saber o que ele estava fazendo. O pobre rapaz
não tinha idéia do que estava acontecendo até que eu expliquei que Sensei
interpretou mal a ação, tomando-a como algum tipo de brincadeira.
AJ: Qual foi a atitude de O
Sensei quando o senhor começou a basear seus ensinamentos nos principios do ki?
Tohei Sensei: Ele ficou enciumado
e disse as pessoas que não me dessem ouvidos. Ele dizia, "O aikido é meu,
e não de Tohei. Não escutem o que Tohei diz." Ele aparecia no dojo dizendo
coisas assim, especialmente quando eu ensinava um grupo de mulheres. A esse
respeito, ele era bastante infantil, em sua objetividade e falta de sofisticação
- muito espontaneo e inocente.
Pessoas ligadas a várias religiões
vinham ao dojo e tiravam dinheiro dele , bajulando-o com nomes como
"Morihei Ueshiba, o kami do aikido." Dificilmente ele gastava
dinheiro consigo mesmo, mas parecia sempre estar sempre atrás de dinheiro
porque continuava a desperdiça-lo com pessoas como aquelas.
Recebendo o Décimo Dan
Fui o primeiro a ser oficialmente
promovido a décimo dan. Originariamente, o oitavo dan era o grau máximo, mas
Gozo Shioda , do Yoshinkan começou a promover muitas pessoas. Kisshomaru
Ueshiba e o Sr.Osawa decidiram que seria útil para estabelecer mais firmemente
o Hombu Dojo se criassemos o nono dan, que ofereceram para mim. Disse-lhes que
eu achava desnecessario criar qualquer graduação mas alta do que as que já tinhamos,
mas eles insistiram que isso ajudaria a fortalecer o Hombu Dojo, assim,
finalmente concordei. Comemoramos a nova graduação em Ginza, um bairro de
entretenimentos. Tanto Gozo Shioda como Kenji Tomiki estavam lá.
Enquanto estive nos Estados
Unidos, entretanto, cinco outras pessoas foram também promovidas ao nono dan, e
eles tentaram manter o fato em segredo de mim. Pensei que não havia nada a ser
feito a respeito - coisas como essa iriam fatalmente acontecer com um professor
como aquele - e decidi não me preocupar com isso.
Quando voltei a Tokyo, fiquei
surpreso por encontrar Ueshiba Sensei me esperando no aeroporto - a primeira e única
vez que ele havia feito isso. Quando chegamos em casa, ele me pegou para uns
drinques e pouco depois eu sorria e começava a ficar alegre. Ele pareceu
apreciar isso e até mesmo levantou-se para fazer uma dança tradicional que o
divertia. Tudo isto, é claro, era porque ele pensou que eu devia estar
irritado(irado?) com o fato dele ter promovido cinco outra pessoas ao nono dan,
depois de me dizer que eu seria o único. Ao ver que eu não estava absolutamente
irritado a respeito, ficou de bom humor outra vez.
Dois ou três dias depois, ele
começou a me pedir que aceitasse o décimo dan. Eu disse, "Sensei, por
favor não me peça para fazer isso. Se o senhor fizer de mim décimo dan, isso não
terá mais fim!" Ele concordou com o meu pedido e assim permaneci nono dan por
um tempo. Cerca de três anos depois, entretanto, pouco antes do cancer tomá-lo,
ele me pediu outra vez. Disse "Koichi-chan, por favor, aceite o décimo
dan." Me senti obrigado a concordar, porque seria desrespeitoso continuar
a recusar e fazê-lo implorar para que eu o aceitasse.
Não demorou muito para que as
pessoas dissessem que eu não era o único a receber o décimo dan. Para evitar
problemas, ofereci-me para devolver o grau, mas Mr. Osawa interveio e conseguiu
que fosse colocado o numero "1" em meu certificado para atestar este,
e não os outros, era oficial. Houve também uma grande festa no Akasaka Prince
Hotel para celebrar a promoção.
Desde que me separei do Aikikai,
ninguém mais foi admitido ao grau de décimo dan, mas tão logo parti, todos começaram
a reclamá-lo.
AJ: O Senhor disse que ao começar
a fundamentar os seus ensinamentos nos principios do ki, O Sensei ficou
enciumado e disse a todos que não lhe dessem ouvidos. Por outro lado, ele o
promoveu a décimo dan. Quais eram suas intenções ao agir assim? Ele o estava
reconhecendo ou não?
Tohei Sensei: Acho que ele me
reconheceu e aceitou. Ele estava bem consciente de que não havia outro igual a
mim na época, e provavelmente sentiu que caso não me promovesse, não poderia
promover outros. Mas por possuir aquela qualidade infantil, ele não pode
esperar e foi adiante, fazendo-o de qualquer maneira.
AJ: Como Kisshomaru (filho de O
Sensei e seu sucessor como Doshu) viu a
questão?
Tohei Sensei: Em principio,
Kisshomaru pretendeu manter uma certa distância do Aikido. Ele teria dito,
"Meu pai e pessoas como o Sr. Tohei vieram a este mundo para fazer o
Aikido". Embora eu tenha nascido nesta família e com as suas tarefas,
prefiro mais uma casa em uma colina da qual eu possa ir para o trabalho pela
manhã e voltar a noite." Ele esperava assumir um papel mais administrativo
como diretor geral da organização, mais do que ser um centro dos ensinamentos.
Quando Ueshiba Sensei faleceu, o Sr. Nao Sonoda veio com uma proposta de fazer
de Kisshomaru um diretor geral e de mim, o Segundo Doshu. No entanto, Ueshiba
Sensei havia me pedido para fazer tudo o que pudesse por Kisshomaru, e assim
fiz todos os esforços para que ele assumisse o papel que o colocava tanto como
o centro dos ensinamentos como da administração, que é como finalmente
funcionou.
Tive o privilégio de estar ao
lado de Sensei durante as suas últimas horas. Disse-me, "Koichi-chan, é
você? Quero pedir-lhe para, por favor, fazer aquilo que puder por meu
filho." Respondi que embora eu nada tivesse com aquilo, ele não tinha nada
com que se preocupar. "Está bem... Peço isto a você", ele disse, e
pouco depois, deu seu último suspiro.
O Sr. Sonoda sugeriu muitas vezes
que eu deveria me tornar o Doshu, mas eu estava determinado a cumprir minha
promessa. Para permitir que Kisshomaru assumisse um papel estável , lancei a idéia
de que ele deveria ser tanto o Doshu como o diretor administrativo. Ele
expressou sua gratidão por meus esforços na época, mas cerca de um ano mais
tarde, sua atitude mudou. Foi exatamente nessa época que ele foi aos Estados
Unidos e começou a tirar minha foto das paredes dos dojos de lá.
Separação do Aikikai
AJ: Isso foi por volta de quando?
Tohei Sensei: Cerca de três anos
depois que Ueshiba Sensei faleceu, em 1971 ou 1972. Antes disso, quase todos os
dojos americanos mostravam ambas as fotos, mas Kisshomaru começou a mandar
tirar a minha, colocando a sua no lugar.
Parece que o senhor gozou de um
bom relacionamento durante o período imediatamente posterior a morte de O
Sensei. Por que esse relacionamento se deteriorou depois?
Em 1971 , propus que ensinássemos
especificamente o conceito de ki dentro do Aikikai. Senti que simplesmente ir
através dos movimentos de prática das técnicas, mais ou menos num nível
superficial não resultaria em Aikido, porque o aikido envolve ki. Sugeri a Mr.
Osawa que criassemos uma aula de ki, como base para as pessoas no Aikido. Ele
rejeitou a idéia no interesse do Aikikai, dizendo que o Aikido do Aikikai o de Kisshomaru, e que por isso, os
ensinamentos dele é que deveriam formar
o núcleo do treinamento. Compreendi que não havia espaço para ensinar nesse
ambiente e perguntei se estaria bem se eu continuasse com a minha sugestão fora
do dojo. Isso seria ótimo, disseram, assim sai e criei uma aula que enfocou os
ensinamentos sobre o ki e não as técnicas do Aikido.
Acho que os meus ensinamentos de
ki contribuiram muito para o crescimento do Aikido. Simplesmente ir e vir na pratica
das técnicas do Aikido estão bem para estudantes e outros jovens, mas as
pessoas mais velhas com menos vigor tendem a abandonar pouco depois. Minhas
palestras sobre ki eram bem recebidas por vários tipos de pessoas, incluindo
grupos de executivos de alto nível - gerentes e presidentes e pessoas assim.
Entretanto, tanto Mr. Osawa como Kisshomaru encararam aquilo que eu fazia com
algo tirado do Aikido.
Nos Estados Unidos, as pessoas
entendem o Aikido em termos de expressões como " um questão de mente".
No Japão, contudo, o Aikido é simplesmente chamado de Aikido, assim achei que
era necessário estabelecer o conceito de ki também no Japão.
O Sr. Osawa era um homem muito
bom e ouviu o que eu tinha a dizer. Na época, no entanto, ele se esforçava para
apoiar Kisshomaru e tentou prevenir as pessoas de participarem do meu
treinamento.
Eles me recusaram permissão para
ensinar sobre ki dentro do Aikikai, mas eu disse que era livre para fazer o que
quisesse fora. Com esse entendimento, comecei minha aula no Olympic Center.
Provou ser muito popular e em três meses, cem alunos estavam inscritos. O Sr.
Osawa ficou surpreso quando ouviu a respeito e veio a mim perguntar se eu
estaria interessado em dar essa aula dentro do Aikikai! Fiquei muito irritado e
disse que achava ser um pouco tarde para isso.
Nenhuma das pessoas que frequentavam
minha aula de ki sabia qualquer coisa sobre Aikido e não estavam interessadas,
na verdade, em saber, já que não era aquilo que elas vinham aprender. Isso não
teria acontecido se eu pudesse ter criado uma aula de ki dentro do Aikikai para
começar.
Dada a posição em que Mr. Osawa
se encontrava, eu sabia que ele teve que recusar, mas acho que ele sempre se
sentiu mal a respeito. Quando o quartel-general do Ki no Kenkyukai (Ki Society)
foi construido na Prefeitura de Tochigi em 1990, o Sr. Osawa me contatou em
particular e fez uma pequena contribuição.
Estórias do Aikido no pós-guerra
AJ: Que tipo de pessoa entrou
para o Aikikai depois da guerra?
Tohei Sensei: Ensinei muitas das
pessoas que hoje são professores... Tada, Arikawa, Yamaguchi, Okumura, Yamada,
Chiba. Yamada ainda aparece de vez em quando.
AJ: O Senhor tem estórias memoráveis
do treinamento na época ?
Tohei Sensei: Bem, nada que seja
tão interessante.
Uma vez quando tomei uma
bebedeira, eu treinava com Tamura, que está na França agora. Eu disse,
"Veja, algumas vezes vou arremessá-lo forte, por isso, tenha
cuidado." Ele deve ter subestimado minhas palavras, pois quando o
arremessei , ele foi voando pelo dojo e atravessou a janela de vidro com o braço.
Ele deveria ter tentado parar nesse momento, mas ao invés disso, tentou puxar o
braço imediatamente e acabou se ferindo nos cacos. Quando vi o que ele havia
feito, fiquei zangado e sem pensar, gritei com ele por não ter esperado até que
ele pudesse tirar o braço com segurança. Me arrependi imediatamente e
compreendi que era cruel gritar com ele daquela maneira, no instante do
ferimento. Me desculpei, levando-o para uma noitada na cidade.
Uma outra vez, levei Tamura e
Chiba para uma demonstração em Hiratsuka. Foi durante a Ocupação e por isso, a
maioria das demonstrações de vários tipos de artes marciais estavam proibidas.
Para uma demonstração de Aikido, no entanto, foi dada permissão e a realizamos
diante do comando da guarnição naquela área. Nossa explicação do principio da não-competição
no Aikido foi bem recebida e pareceu encontrar simpatia junto a audiência.
Durante a demonstração, fiz uma técnica
na qual eu dei uma rasteira em Chiba com um jo. Ele próprio se ajustou para
acompanhar o movimento. Mas eu detesto quando as pessoas fazem a queda
desnecessaria e propositadamente assim, então eu disse a ele que deixasse de
fazer coisas desnecessarias e arremessei-o com toda a minha força. Ele virou
completamente de ponta-cabeça a baixo e quase veio ao chão de cabeça. Por um
momento, temi ter feito algo terrível a ele, e fiquei aliviado ao ver que , de
alguma forma, ele aterrissara em segurança.
Havia um aluno meu que entrou
para o Aikikai e era elogiado por seu bom ukemi e acompanhava Ueshiba Sensei
com frequência. Eu o usava como uke durante uma demonstração no Hibiya Kokaido
(local de demonstrações de Aikido de todo o Japão antes do Budokan começar a
ser usado), mas ele começou a rolar antes que eu tivesse feito o arremesso. Eu
disse, "O que diabos você está fazendo, caindo antes mesmo de começar a
lançá-lo? Saia daqui!" Havia muitos espectadores presentes e acho que eles
ficaram bem surpresos, mas foi também uma oportunidade inesperada para que
vissem que as técnicas do Aikido não são uma farsa nem tampouco pré-arrajandas.
Quando eu estava com quarenta e
nove anos, fiz um filme educativo de no qual pessoas como Masando Sasaki e
Seishiro Endo aparecem como meus uke. Endo apareceu também num livro chamado
Shinshin Toitsu Aikido, que é, na maior
parte, de fotografias. Ensinei Saotome e Ichihashi também, vez ou outra.
AJ: O senhor tem alguma anedota
interessante da época posterior a sua saída do Aikikai?
Tohei Sensei: Cerca de dez anos
atrás na França, a grupo de alunos de Tamura veio para me ver. Aparentemente,
Tamura pensou que devido a minha idade, eu provavelmente não estaria mais
fazendo Aikido e deveria estar só trabalhando com ki. Parece que eles vieram
para ver com seus próprios olhos se isso era realmente verdade e acho que também
para dar uma olhada em um décimo dan. Escolhi oito deles para me atacarem em
randori. Foram para casa dizendo, "Bem, parece que Tamura Sensei estava
enganado!"
Compreensão de uma simples afirmação de Tempu Nakamura.
AJ: De que maneira o Shinshin
Toitsu Aikido é
diferente daquele do fundador Morihei Ueshiba?
Tohei Sensei: Quando fui ao Havai
e tentei usar as técnicas que havia aprendido com Ueshiba Sensei, descobri que
muitas delas eram ineficientes. O que Sensei dizia e aquilo que fazia eram duas
coisas diferentes. Por exemplo, a despeito do fato de que ele próprio estava
muito relaxado, dizia aos seus alunos para fazer técnicas contundentes e
poderosas. Quando cheguei ao Havai, no entanto, havia dois sujeitos tão fortes
quanto Akebono e Konishi (dois conhecidos lutadores de sumo havaianos) por todo
o lugar. Simplesmente não há como usar força ou poder para triunfar contra esse
tipo de força.
Quando você está firmemente
imobilizado ou controlado, as partes do seu corpo que estão diretamente
imobilizadas não podem se mover. Tudo o que você tem a fazer é iniciar um
movimento com aquelas partes que você pode mexer, e a única maneira de fazer
isso com sucesso é relaxar. Mesmo que o seu oponente o tenha preso com toda a
sua força, você ainda pode lançá-lo num vazio se estiver relaxado ao fazer o arremesso. Isto
é algo que experimentei em primeira-mão,
durante aquela viagem ao Havai e quando
retornei ao Japão e dei uma outra olhada em Ueshiba Sensei, compreendi que ele,
sem dúvida, aplicava sua técnicas em um estado muito relaxado.
Tohei Sensei: Enquanto estive com
Ueshiba Sensei, estudava também com Tempu Nakamura. Foi ele quem primeiro me
ensinou que " a mente move o corpo". Essas palavras me atingiram como
um raio de eletricidade e me abriram os olhos para o verdadeiro conhecimento do
Aikido. A partir desse ponto, comecei a rever todas as minhas técnicas de
Aikido. Joguei fora técnicas que iam contra a lógica, selecionando e
reorganizando aquelas que senti que eram utilizáveis.
Hoje o meu Aikido consiste de
cerca de 30% das técnicas de Ueshiba Sensei e de 70% minhas próprias.
Provavelmente, você pode dizer
que foi no Havai que fiz o meu treinamento mais importante (shugyo). A propósito,
razão pela qual fui ao Havai em primeiro lugar, foi a convite do Nishikai, um
grupo dedicado ao Método Nishi de Saúde. Entretanto, suas intenções tinham a
ver com competir com as minhas habilidades marciais contra alguns lutadores e
para usar a renda do evento na construção do seu auditório. Não sabia disso até
a véspera da minha partida e então já era tarde demais para recusar , assim me
conformei e fui mesmo assim.
Os havaianos foram muito francos
ao expressarem suas primeiras impressões a meu respeito. Disseram, "Nossa.
Sensei, você é bem jovem, não é?" Então disseram, "Nossa, Sensei, você
é bem pequeno..." Então foram direto ao ponto dizendo, "Sensei, você
tem certeza de que pode realmente fazer isso?" Pensei que a ùnica coisa a
fazer era mostrar-lhes que eu podia e deixar que vissem por si mesmos. Depois
daquilo, todos os artistas marciais do local e lutadores se tornaram meus
alunos. O Hawaii Aikikai foi fundado oito meses depois e me fizeram um capitão
honorário vitalácio da força policial local. Ueshiba Sensei nunca foi testado
dessa forma em sua vida inteira.
AJ: Gostariamos de perguntar a
respeito de técnicas com armas. No Aikikai Hombu Dojo há alguns shihan que
afirmam que o Aikido moderno não tem técnicas com armas. Por outro lado, há
professores como Morihiro Saito que integram as armas ao ensino de técnicas
desarmadas (taijutsu). Na sua visão, as técnicas com armas são parte do Aikido
ou não?
Tohei Sensei: Dizer que não há técnicas
com armas em Aikido é ridiculo. As pessoas dizem isso porque não as conhecem. Venha ver o que fazemos
com as armas na Ki Society. Há também um vídeo educativo. Que no Aikido existem
técnicas com armas é apenas senso comum e é uma vergonha que as pessoas digam o
contrário. Fico pensando, ser eu que
devo ir lá e ensiná-los?
O Sr. Yoshio Sugino (Dojo-cho do
ramo do Kawasaki Aikikai, Yushin Dojo, e décimo
dan em Katori Shinto-ryu) assistiu a um dos nossos exames de treinamento físico. Vendo as técnicas com armas dos nossos
membros, ele os elogiou a técnica com armas dos membros da ki society.
AJ: Tohei Sensei, agradecemos por
seu tempo em conversar conosco.
(Excerto do Aikido Journal, ed.
#107 - Traduzido por Emy Yoshida - Dojo Central)
Interessante a publicação da entrevista. É impressionante ver como todas as cisões são políticas.
ResponderExcluirMASSA CARA
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